5 de janeiro de 2009

a Ofélia Queiroz

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Meu Bebé pequeno e rabino: 

Cá estou em casa, sozinho, salvo o intelectual que está pondo o papel nas paredes (pudera! Havia de ser no tecto ou no chão!); e esse não conta. E, conforme prometi, vou escrever ao meu Bebezinho para lhe dizer, pelo menos que ela é muito má, excepto numa cousa que é na arte de fingir, em que vejo que é mestra. 
Sabes? Estou-te escrevendo mas não estou pensando em ti. Estou pensando nas saudades que tenho do meu tempo da caça aos pombos; e isto é uma cousa. Como tu sabes, com que tu não tens nada... 
Foi agradável hoje o nosso passeio –não foi? Tu estavas bem disposta, e eu estava bem disposto, e o dia estava bem disposto também (O meu amigo A.A Crosse esta de saúde- uma libra de saúde por enquanto, o bastante para não estar constipado).
Não te admires de a minha letra ser um pouco esquisita. Há para isso duas razões. A primeira é a de este papel (o único acessível agora) ser muito corredio, e a pena passar por ele muito depressa; a segunda é a de eu ter descoberto um vinho do porto esplêndido, de que abri uma garrafa, de que já bebi metade. A terceira razão é só haver duas razoes , e portanto não haver terceira razão nenhuma (Álvaro de Campos, engenheiro).
Quando nos poderemos nós encontrar a sós em qualquer parte, meu amor? Sinto a boca estranha, sabes, por não ter beijinhos há tanto tempo...Meu bebé para sentar ao colo! Meu bebé para dar dentadas! Meu bebé para... (e depois o bebé é mau e bate-me...) “o corpinho de tentação” te chamei eu; e assim continuarás sendo, mas longe de mim.
Bebé, vem cá; vem para o pé do Nininho; vem para os braços do Nininho; põe tua boquinha contra a boca do Nininho...Vem... Estou tão só, tão só de beijinhos....
Quem me dera ter a certeza de tu teres saudades de mim a valer. Ao menos isso era uma consolação...Mas tu , se calhar, pensas menos em mim que no rapaz do gargarejo, e no D.A. F e no guarda livros da C.D.E.C.! Má, má, má má, má...!!!!!!!! 
Açoites é que tu precisas. 
Adeus; vou-me deitar dentro de um balde de cabeça para baixo, para descansar o espirito. Assim fazem todos os grandes homens – pelo menos quando têm – 1º espirito, 2º cabeça, 3º balde onde meter a cabeça. 
Um beijo só durante todo o tempo que ainda o mundo tem que durar, do teu, sempre e muito teu,

Fernando (Nininho) 
05/04/1920



Como é que alguém tão genial consegue ser ao mesmo tempo tão adorável? 

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